The Evil Within é o novo jogo de horror e sobrevivência de Shinji
Mikami, o cara que ajudou a inventar e reinventar o gênero quando era “o
cabeça” da série Resident Evil, lá atrás, nos tempos de Capcom. Naturalmente,
esse contexto fez as expectativas em torno do lançamento do game ficarem
elevadas, a ponto de colocá-lo como um provável sucessor espiritual dos antigos
RE – já que a série principal da Capcom vem perdendo a identidade a cada novo game.
Para a alegria dos fãs de survival
horror, The Evil Within não apenas
traz o clima de suspense e tensão obrigatório, como também resgata elementos
consagrados, que vão desde munição escassa e dificuldade elevada a trechos
em que é necessário parar e resolver puzzles.
Fica evidente que Shinji Mikami e
equipe não se preocuparam em trazer inovações relevantes ao game, mas sim em
apresentar de maneira competente uma série de fórmulas já estabelecidas. Em vários momentos, é fácil perceber referências vindas de games como Dead Space, Outlast e Resident Evil 4,
por exemplo.
Consciente insanidade
Em The Evil Within, o jogador assume o controle de Sebastian
Castellanos, um detetive da cidade fictícia de Krimson. Após receberem uma chamada de
emergência, Castellanos e os seus parceiros vão ao manicômio local para investigar uma
tragédia. Dentro do hospital, o detetive observa pelas câmeras de segurança um
ser sobrenatural matando policiais. Em seguida, o ser maligno surge do nada e o
ataca. A partir daí, o jogador inicia uma jornada de 15 capítulos insanos,
perturbadores e que não fazem a menor questão de explicar - de forma compreensível - o que está
acontecendo.
Esse último detalhe pode
irritar àqueles que procuram uma história bem construída, com narrativa
coerente e tudo mais. Ao invés disso, o game apresenta uma série de
acontecimentos sem pé nem cabeça; e como se não bastasse, ainda faz transições
absurdas entre um cenário e outro. Em um determinado capítulo, por exemplo, Castellanos está perdido em um hospital abandonado, porém, ao iniciar o
capítulo seguinte, o detetive vai parar em ruínas de estilo medieval (?).
Contudo, temos a impressão
de que Shinji Mikami elaborou essas maluquices de maneira consciente, ou seja, parece
que ele usou eventos sobrenaturais e personagens à beira da loucura como pretexto,
e assim pôde criar as situações e os cenários insanos como bem entendesse. Olhando
por esse aspecto, The Evil Within se
torna bem interessante, já que a sensação de estar vivendo em um pesadelo na
pele de um protagonista perturbado é perfeita.
Legítimo survival horror
Se a história é confusa e sem nexo, o
mesmo não é dito sobre o level design do game. Quase todos os trechos foram muito
bem construídos, proporcionando momentos criativos, variados e desafiadores. Muitas
vezes, o jogador terá que formular estratégias para passar de determinados pontos,
já que a munição é escassa e nem sempre dá para matar todos os inimigos na
bala. Nessas horas vale usar ataques cautelosos, ou elementos dos cenários contra as criaturas – o que é bem mais
divertido.
Um tiro bem dado numa mina explosiva, por exemplo, pode acabar com
vários mortos vivos de uma vez, assim como algumas alavancas, que ao serem
acionadas, disparam flechas do teto ou do chão. Uma novidade legal (e muito
útil) é que Castellanos pode incendiar os inimigos, com um fósforo, assim que os
derruba.
A progressão é linear. Os cenários variam entre corredores fechados e trechos mais abertos, onde todos trazem a
sensação de perigo constante. O game faz uma boa mescla entre momentos de ação
e de exploração, jamais caindo na mesmice - mesmo com uma campanha longa, que dura
em torno de 15 a 20 horas. Alguns pontos merecem destaque por trazerem
desconforto e tensão acima da média – já se imaginou solucionando puzzles, mas com
criaturas do além surgindo aleatoriamente no cenário?
Os inimigos comuns são genéricos e pouco variados. Entretanto, The Evil Within está repleto de aberrações macabras que aparecem
frequentemente, reforçando a atmosfera carregada do jogo. Para completar, o
game oferece embates desafiadores e de muita adrenalina contra chefões.
Quem curte jogos fáceis pode se
decepcionar, já que The Evil Within não
alivia em momento algum. Aqui não existem savepoints constantes, como em boa
parte dos jogos atuais, e muito menos indicações frequentes do que fazer, para
onde ir, como derrotar tal inimigo entre outras. Ao invés disso, o game segue
uma linha mais old school, baseando-se em colocar o jogador em situações de
perigo, nas quais cabe a ele próprio se virar para sair vivo, com pouca munição,
na raça e na base da tentativa e erro – ou seja, como nos survival horror dos
consoles de duas, três gerações atrás.
Na veia de Resident Evil 4
The Evil Within
resgata elementos de diferentes jogos do gênero horror e sobrevivência, é
verdade, mas é no clássico Resident Evil
4 (de 2005, também assinado por Shinji Mikami) que ele busca as maiores
inspirações. As semelhanças entre os dois games são refletidas em cenários,
inimigos, trilha sonora, ritmo de jogo, controles, enfim, em diversos conceitos.
Muitas das ideias exibidas no game da Capcom, há dez anos, foram reaproveitadas
em The Evil Within de forma
idêntica. Não que isso seja ruim, pelo contrário, já que tais ideias funcionam
bem até hoje – sem falar que os fãs de RE 4 estão sujeitos a uma possível (e
bastante agradável) sensação nostálgica.
No geral, The Evil Within traz um sistema de controles evoluído em realação à
Resident Evil 4, porém, ele ainda é
um tanto “travado” para os padrões atuais. A falta de um comando de esquiva,
ou de um giro rápido em 180°, por exemplo, faz de Sebastian Castellanos uma
presa fácil durante a jogatina. O game possibilita fazer upgrades nas armas e habilidades
do protagonista. A opção acaba sendo essencial, uma vez que ameniza razoavelmente
a lentidão da jogabilidade.
Os gráficos contam com ótimos efeitos
de iluminação e são bem detalhados, porém, deslizes constantes denunciam que o
game carece de um melhor acabamento. Enquanto que em alguns trechos os cenários são
caprichados, em outros o que se vê são texturas borradas e sombras
excessivamente serrilhadas.
Para piorar, bugs de todos os níveis estão
propícios a acontecer. Alguns são irrelevantes, como um zumbi paralisado aqui,
um rato rodando feito um pião acolá etc. Já outros são desanimadores, como um
bug que deixa o protagonista tendo ataques convulsivos após ser morto; e assim
ele fica até que se reinicie o console – broxante. O game também sofre com
quedas bruscas na taxa de quadros, principalmente em locais abertos ou quando
há inimigos aglomerados na tela.
A excelente trilha sonora potencializa
o clima de suspense do game. Já as dublagens apenas cumprem o papel, sem
grandes destaques. Curiosamente, The Evil
Within se restringe aos idiomas inglês, francês e espanhol, ou seja, nada de
dublagem ou legendas em português.
O mal em boas mãos
De maneira geral, The Evil Within acerta em cheio naquilo
que propõe, que é resgatar a atmosfera dos antigos survival horror para os
consoles atuais. Apesar de não trazer muitas novidades, o game executa e
aperfeiçoa com maestria diversas ideias consagradas do gênero.
Mesmo com uma história sem
profundidade e alguns problemas técnicos, The
Evil Within oferece uma campanha de alto nível, que é marcada por um excelente
trabalho de game design, dificuldade elevada e momentos tensos do início ao fim.
A volta de Shinji Mikami ao estilo survival horror mostra que o diretor ainda
está afiado, e o melhor, que domina o gênero como poucos.
Obs. A versão analisada foi a de Xbox 360.
Por Sergio Grecco.